Estivemos durante 10 dias desaparecidos a fazer voluntariado no Eco Truly Park. Encontramos este local quando andamos à procura de um sítio onde pudéssemos aliar a nossa vontade de praticar yoga com a nossa vontade de trabalhar numa quinta. Mas o Eco Truly Park é muito mais do que isso: é um local sagrado, onde os habitantes seguem uma vertente do Hinduísmo dentro do Vaishnavism chamado Krishnaism. Isto quer dizer que são devotos de Krishna e de todas as suas formas e avatares. O seu livro sagrado é o Bhagavad Gita e praticam Bhakti Yoga, que é a pratica de yoga não tanto associada ao movimento mas sim focada no cultivo de amor e devoção perante Deus, ou seja, Krishna. Aqui aprendemos que praticar yoga é muito mais que fazer alongamentos: a cultura do yoga está associada a uma prática religiosa que se foca na importância da mente e do subconsciente, que se foca na existência de uma energia que não vemos, mas que podemos aprender a sentir e aprender a controlar, que nos liga a todos, todos os seres humanos, mas também a todos os seres vivos, Terra, Planetas, Sistemas e Universos.
Nesta quinta, todos vivem em consciência, deles próprios, do lugar deles no Universo, e de que tudo está conectado através da consciência: somos todos parte do mesmo todo! Portanto são também vegetarianos, e durante o tempo em que lá estivemos vivemos como eles: nada de origem animal. Para além de vegetarianos, são praticantes de agricultura sustentável, as suas construções são com barro e materiais recicláveis, a água dos chuveiros é fria e a casa de banhos ecológicas: com uma espécie de um balde onde se misturam os excrementos com um material que permite a sua biodegradação. O seu respeito pela Mãe Terra, Pacha Mama como lhe chamam os Peruanos, está também relacionado com a suas crenças religiosas: a Terra, tal como todos os outros elementos do Universo, e tal como nós, tem uma consciência, que se conecta e que conecta todos os seres vivos, todos os elementos, e respeitarmo-nos a nós mesmos é também respeitar esta consciência, tal como a de todos os outros seres vivos. Ou seja, a quinta existe em sintonia com o ambiente que a rodeia, e tenta ser um exemplo de sustentabilidade num mundo que cada vez menos respeita a Terra e os seus recursos.
A quinta tem uma zona com quartos para voluntários e outra com quartos para visitantes. Durante a semana mas principalmente durante o fim de semana é visitada por pessoas que pretendem descansar do dia a dia da cidade. Tem uma zona de campismo, mas é possível acampar por toda a quinta. Tem muitos jardins e plantações de árvores de fruto mas também de vegetais! Existe uma sala só para a prática de Yoga! Têm, claro, os Trulys, que são construções típicas de muitos locais diferentes do mundo, e utilizados por eles em todas as construções: altares, casas, centro de healing…. e o templo claro! O templo é muito bonito e transmite muita serenidade, para nós é o local mais bonito da quinta.
Depois de tudo isto que vos contamos, seria de esperar que o Eco Truly fosse um lugar maravilhoso, organizado e limpo… não? Mas a verdade é que não é, e, por isso, os nossos primeiros dias lá foram muito diferentes do que estávamos à espera! Todos os voluntários que lá estavam ou tinham estado nos últimos tempos ficavam muito doentes com febre, dores de barriga muito fortes, diarreia e sem capacidade de se levantarem da cama! Encontramos várias razoes para isso: a água que usavam para cozinhar os alimentos não era boa, portanto nunca comemos alimentos crus; as casas de banho eram ao lado da cozinha e existiam milhões de moscas que voavam de um local para o outro; a acrescentar às moscas, a cozinha era uma muito suja e cheia de lixo, parecia não ser limpa há séculos! Para acrescentar à falta de limpeza, pelo o que os voluntários nos contaram, e pelo que também vimos, nós (voluntários) não éramos recebidos da melhor forma, uma vez que todos os programas que nos prometiam como aulas de yoga e workshops não existiam!! E de facto não existiram e o pouco que aprendemos foi porque a Cat, voluntária na quinta há uns bons meses mas com um estatuto especial por partilhar a mesma religião que eles, nos ensinou. Mas trabalho voluntário não faltava: trabalhávamos toda a manhã na cozinha, a pintar, a transportar areia, a cavar e a limpar. Ou seja, trabalhávamos mas não tínhamos o retorno prometido!
Mas a verdade é que, apesar disto tudo, fomos ficando! E haviam muitas razões que nos faziam ter vontade de ficar como a proximidade com a praia, a tranquilidade das tardes passadas a descansar depois das manhãs de trabalho duro, o bom tempo… Mas mais do que tudo isto, as relações que fomos construindo foram fantásticas, quer com a Cat quer com todos os voluntários que foram entrando e saindo. Outra das razões que nos fez ficar foi a proximidade com um festival que iam ter lá na quinta, que nos parecia a oportunidade ideal para que pudéssemos finalmente praticar yoga e aprender coisas sobre a religião praticada neste local. Com a proximidade do festival, ia aumentar também a necessidade de trabalho e então já trabalhávamos de manhã e de tarde para que tudo estivesse limpo e pronto para o festival, mas o que aumentou também foi o número de voluntários! Éramos mesmo muitos e a conexão com todos foi maravilhosa, foi marcante e compensadora e fez com que a experiência que vivemos no festival fosse das melhores que já tivemos até agora na viagem. Tínhamos pessoas de todo o mundo: a Cat, que na realidade não é de lado nenhum e de todo o lado ao mesmo tempo, mas podemos dizer que é uma Norte Americana com o sonho de criar um retiro espiritual no Peru para mulheres que sofreram abusos sexuais; a Jamie, Coreana que vivia no Canadá a dar aulas mas que se despediu para viajar; a Gina, Australiana que desistiu da ideia de voltar para estudar e vai continuar a viajar; a Kelly, do Canadá que é cabeleireira mas estuda e trabalha com ervas naturais; a Bonnie, Dinamarquesa que conheceu o Brett, Sul Africano, enquanto trabalhavam num cruzeiro e agora são namorados e viajam juntos há 5 anos, trabalhando em vários países ao longo caminho; o Tim, Sueco, que sentiu um chamamento espiritual para visitar o Peru e resolveu segui-lo; a Brittani que é Nova-iorquina e que trabalha 5 meses por cada três que viaja e que a seguir ao Peru vai para a Tailândia num retiro espiritual; o John, que com 57 anos continua na sua busca espiritual e pessoal pelo conhecimento da religião, a sua paixão, e portanto viaja o mundo inteiro para se satisfazer e para poder conhecer a aprender cada vez mais; o Francisco, que é Peruano e que vai muitas vezes para o Eco Truly para poder relaxar do stress do dia a dia; e a Lisa, Canadiana que viajou por toda a América Central e estava a terminar o seu ano de viajem no Peru.
O Festival foi de facto surpreendente! Chama-se “Todo Mundo Dice Aho”, sendo que Aho é uma palavra Quechua que significa aleluia. Era um festival de um tipo de musica muito especial, e muito nova, pelo menos para nós, que se chama “musica medicina”. Este tipo de música tem como objectivo, tal como o nome indica, curar! Curar almas e corações, mas também doenças! Portanto parte dos artistas eram curandeiros, maestros espirituais e também contamos com a presença de um dos Gurus espirituais do Vaishnismo, o Guru Paramadvaiti Swami, que foi uma grande presença que se fez notar durante estes dias! Um dos músicos, o que nos surpreendeu mais, foi Tito la Rosa: um maestro de Ayahuasca que faz da musica uma verdadeira experiência espiritual, usando sons, flautas e melodias que nos fazem viajar para o meio da selva Peruana. Para além do concerto ainda tivemos a sorte de poder participar numa seção de terapia no tempo da quinta! Devido a tudo o que aprendemos, vimos e ouvimos neste festival, a nossa experiência na quinta também foi uma forma muito directa e intima de conhecermos a cultura Peruana, a cultura das tribos indígenas, que se encontra de uma forma estranhamente coincidente, associada à cultura Indu: respeito pela Natureza, pela Mãe Terra, por Deus, pela conexão que existem entre todos os seres e todos os elementos do Universo. Devido a esta interligação e respeito pela cultura indígena Peruana eles têm na quinta um Temazcal que é uma espécie de sauna ritualesca onde se canta, se reza, e se sofre muito: consiste em quatro rondas em que em cada ronda se reza por um motivo diferente, como a família, os seres vivos, as relações, e em cada ronda se colocam 13 pedras quentes vindas de uma fogueira no centro do Temazacal, e portanto, de ronda para ronda, a temperatura aumenta até se tornar quase insustentável respirar e estar lá dentro! A ideia deste ritual é simular o renascimento, o desconforto de quando estávamos no útero da nossa mãe, num local escuro onde nos desafiamos a nós mesmo e onde começamos a construir aquilo que somos e vamos ser. Mais que um desafio físico, o Temazcal é também um desafio psicológico bem forte, onde tentamos aprender a controlar e ultrapassar a nossa ansiedade de não saber quando uma ronda vai acabar e quando podemos voltar a respirar o ar puro e fresco! Foi uma experiência pessoal e conjunta nova e compensadora.
Já perceberam que existem muitos motivos pelos quais estes dias foram de um forte crescimento espiritual, de reencontro connosco próprios. Mas talvez o mais importante foram as conversas e as relações e ligações criadas entre os voluntários, durante as nossas fugidas para beber uma ou duas cervejinhas e mesmo durante o trabalho voluntário. As histórias e as partilhas de cada um tornaram-nos a todos muito próximos e as conversas fluíam naturalmente. As pessoas foram-se abrindo naturalmente e não havia nada que não falássemos ou partilhássemos. Sabem aquela sensação que ás vezes temos que não é por acaso que estamos naquele local naquele preciso momento? Houve algo que nos juntou lá, a todos, na altura daquele festival, a fazer aquela experiência, a partilhar as nossas experiências de vida! E toda a gente sentia isso, todos sabíamos que aquilo que estávamos a viver era especial! Este sentimento fez-nos redespertar a consciência de que existe algo que nos conecta, como uma energia que flui de pessoa para pessoa, de local para pessoal, de elemento para elemento… Existe uma energia que corre pelo nosso corpo, pela terra, pelo universo, que é maior que nós próprios, que nos guia como pessoas, que nos guia como humanidade e que nos conduz para uma experiência conjunta. Esta experiência fez-nos aperceber também que existe um chamamento consciente/inconsciente, qu se tem espalhado pela humanidade para um despertar pelos direitos da terra, dos animais, das pessoas: uma busca pelo reencontro do Ser Humano com a sua Espiritualidade! E isto nós aprendemos aqui. Não com os workshops que tivemos, nem tão pouco com o que nos ensinaram sobre viver na quinta. Mas sim com os outros voluntários. Com as pessoas maravilhosas que conhecemos e que tanta sabedoria tinham para partilhar connosco. Isto aprendemos só por estarmos ali, naquele momento, naquela quinta. Existem locais que transmitem uma energia especial, e é necessário estarmos prontos a recebê-la e a interpretá-la!
Já para não falar que o pôr-do-sol na praia foi todos os dias fantástico!
E a boa notícia, no final de tudo, é que conseguimos ter alguma influência nos procedimentos da quinta. Antes de virmos embora, resolvemos conversar com a Presidente da quinta, abertamente e com muito sinceridade, dissemos que saímos felizes mas desapontados e que a quinta tinha potencial para muito mais. E, pelo que nos disseram, nós juntamente com todos os voluntários que partilharam connosco esta experiência, conseguimos ter uma boa influência e agora as coisas começaram a funcionar melhor para os voluntário, como devia ser desde o início!